O Brasil está sim ficando chato. E por vezes, lamento,
burro. Não se zangue, leitor, achando que me excluo do conteúdo deste Brasil.
Há um sentimentalismo patológico imperando no gosto médio
que – veja o contrassenso – até me comove. Enquanto o Brasil real é estúpido,
racista, conservador, intolerante, revela-se pelo jornalismo e ficção
televisiva um oposto sentimentaloide: descrevem a intolerância para adorna-la
com um final feliz, muitas vezes até incompreensível, como na última novela da
Rede Globo de Glória Peres. Vou cita-la com um resumo para quem não a
presenciou naquele dia a dia enfadonho de suas intrigas mixas: uma jovem linda,
bem nascida, rica não se sentia menina. Evolui-se para a mudança de sexo, pelo
que se narra, sem intervenções cirúrgicas que, confesso, desconheço a
existência ou êxitos. Na mudança inversa sim, sabemos possível. E então o que
escolhe para seu par a doce menina que se transforma num ser esquisito de barba
fina? Seu ex-namorado, optando desta forma por uma relação heterossexual que
não incluía uma atração física condizente. Não era para aquele recém-homem
sentir-se atraído por mulheres? Não nos parece obvio que a orientação escolhida
deveria ser regida por um impulso também sexual? E o que coube ao pobre
personagem masculino então, foi aberração completa e ancorada numa narrativa
(desculpem) inverossímil: da noite para o dia, para ter nos braços a antiga
namorada, que se resignasse com o fato dela não ter mais seios e ainda exibir
uma barbicha pra lá de feia, vestindo-se como homem, falando como homem e ainda
se confessasse homem. E ele a abraça, a beija: É o amor verdadeiro, diz a
autora escrevendo em tortas entrelinhas. Os dois vão viver o amor ideal, o
encontro de almas e para o inferno aquela explosão de hormônios que regem as
escolhas sexuais dos jovens, amplamente mostrada em cada episódio de cada
folhetim que empregam atores, diretores, cinegrafistas e atraem patrocinadores.
E temos o paradoxo que poderia elevar uma obra de arte, mas que aqui, é
invencionice sem pé ou cabeça: uma jovem rejeita sal condição feminina e ao
virar homem, mudar de nome, declarar-se homem, entrega a um homem que jamais
cogitou amar outro homem.
Enquanto a teledramaturgia elege seus temas para reger a
sociedade média – racismo é outro de seus temas favoritos e para sua
doutrinação expele similares idiotices – o jornalismo trata de escolher para os
cansados, exauridos brasileiros quem é que os deve governar.
Não, imprensa não deve ser neutra, imparcial: mas é preciso
clareza e honestidade intelectual como um intransponível paradigma. Não cabe aqui um libreto oficial das boas
normas do bom jornalismo. Mas, temos
assistido algo pior que o fake News que pode ser combatido frontalmente diante
do rigor do fato: uma imprensa livre – e
assim deve ser e será – que omite informações, informa erradamente os episódio
e os interpreta conforme a conveniência do editor ou, pior ainda, do veículo
que para existir simplesmente pressupõe severidade rigorosa na apuração de
fatos e consequências. Vou apelar à precisão machadiana e apelar para a
covardia do exemplo: Observe uma diferença fundamental entre duas manchetes das
retrospectivas de 2017:
- Temer escapa de duas denúncias de crime de lavagem de
dinheiro e corrupção passiva
- Congresso rejeita denúncia contra presidente Temer
Não pretendo opinar sobre as manchetes, afinal, a conclusão
é quase obvia do encaminhamento editorial e isso está posto, claro. O problema
é que no bojo da notícia não há explicação sobre a denúncia que enfim é o
principal fato da manchete e que, convenhamos, o jornalismo não explicou, não
esmiuçou, apenas arranhou a extensa superfície condição que lhe dava certo
aspecto de severidade crítica. Exceção a colunistas famosos que se posicionaram
e também alguns editoriais, a população se posicionou sem estar segura se houve
fraude na denúncia ou não. Quem buscou aprofundar-se no tema, com certeza, está
convencido de diversos pontos do episódio central da política em 2017. Mas
àqueles que confiaram na informação superficial dos maiores veículos de comunicação
do país, seguramente, estão equivocados. Foi ao equívoco que esta imprensa conduziu
seus ouvintes, leitores, telespectadores. Os colunistas podem errar, podem
dispor suas ideias, mas devem ser inequívocos quanto às suas posições. Ai
discordamos, concordamos, detestamos, adoramos. Mas quando, no momento seguinte,
o jornalismo vem com aquela isenção inventada tentando nos fazer ignorar os
objetivos traçados nitidamente por seus veículos de comunicação, ai constrangem
as mentes medianamente informadas e lúcidas.
E a isso que me refiro quando digo que estamos
sentimentalistas, passionais e chatos. Temos aberturas de telejornais com
vinhetas geniais, trilhas sonoras eletrizantes e figurinos e jornalistas
impecáveis. Temos favelas bonitinhas, com casinhas arrumadinhas e para dar
clareza à pobreza dão toques bregas desenvolvendo uma estética kitsch à base de
um proselitismo estético. Ah, que num barraco daqueles até eu moraria. Naquele
beco limpinho também. Estendo minha preguiça sem alegria para este discurso
igualitário que cria a falsa aparência de que somos tão cordiais – confundindo a
tese de Sérgio Buarque de Hollanda - bonzinhos e claro, bonitinhos. Mas no fundo
estamos apenas ficando sentimentalistas, passionais, chatos e, desculpem
generalização, burros. Deve ser por isso também que as pesquisas de opiniões
(feitas há décadas com as mesmas formulações de perguntas) estão levando ao
segundo turno das próximas eleições presidenciais Lula X Bolsonaro. Burrice é
pouco.
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